sábado, 13 de novembro de 2010

O que você não leu sobre o show de Paul McCartney em Porto Alegre


Durante aquelas quase três horas do show de Paul McCartney no Beira-Rio, Porto Alegre teve a ilusão de que era uma cidade cosmopolita, um grande centro internacional. Terminado o show, porém, a magia “européia” logo se quebrou. Gente que saía das arquibancadas e do gramado gritava nos corredores do Beira - Rio “Grêeemiooo, Grêemiooo”. Ou seja, o fato de seu time ter ultrapassado o Internacional no Brasileirão já havia tomado completamente as mentes desses caras em detrimento daquele momento musical celestial que haviam presenciado. Puxa, com que rapidez retornamos ao nosso provincianismo tacanho...

Brincadeiras (digamos assim) à parte, o fato é que as indescritíveis emoções do espetáculo da noite de domingo (07/11) criaram nos jovens que lá estiveram a sensação de que o que a cidade vier a presenciar no futuro em termos musicais ( e artísticos em geral) será um anticlímax. Basta conferir o que tem sido dito nas redes sociais (Twitter, Facebook). Ainda com contornos mal definidos, o sentimento de mal estar vigente é: o que poderia superar Paul McCartney daqui por diante ?Como o assunto ainda vai dominar as conversas da cidade por um bom tempo – e os sentimentos provocados pela música de Paul foram dissecados por Zero Hora na segunda e na terça-feira (08 e 09/11) – cabe mencionar aqui algumas verdades e boatos envolvendo o show que não foram suficientemente destacados pela imprensa.

1. Ao que parece, Porto Alegre não estava incluída no roteiro da tournê de Paul ( Up and Coming) na América do Sul. Felizmente, a DC-7 se “atravessou” nas negociações, a RBS entrou na jogada e eles conseguiram incluir a cidade antes de Buenos Aires e São Paulo. Os patrocinadores (Oi, Nescafé e Lojas Colombo) foram arrumados às pressas.

2. Há um boato de que os custos de montagem do palco, instalação do som e segurança tenham triplicado em relação ao habitual. Porque se tratava de Paul McCartney, garantia de maciça presença de público.

3. Não é verdade que a organização do show na cidade tenha sido impecável. Pelo menos, em termos de tratamento dos seus espectadores. Como ressaltou o fotógrafo Eurico Salis, faltou policiamento ostensivo dentro e fora do estádio, os banheiros orgânicos estavam imundos e sem luz, não havia lixeiras em número suficiente para atendar aquele enorme público e - o que quase causou brigas - se formaram duas filas de espectadores na entrada do Portão 5. Uma “oficial” e outra “alternativa”. Embora o repórter Luciano Périco estivesse alertando sobre esse fato na Rádio Gaúcha desde às 17h, nenhuma providência foi tomada para resolver o problema. Tudo isto, somado às dificuldades de trânsito e estacionamento, faz temer pela organização de uma Copa do Mundo em Porto Alegre.

4. Por falar nos banheiros orgânicos, o site oficial do cantor (http://www.paulmccartney.com/news.php#/2063/2010-11) diz que o movimento provocado pelo show fez com que “trabalhadores colocassem toaletes portáteis para fazer frente ao movimento do público”. Não se sabe se, dizendo isso, os ingleses quiseram “turbinar” o entusiasmo pela presença de Paul em Porto Alegre ou se, de fato, acreditam que os repulsivos banheiros orgânicos só são usados na cidade em situações de emergência...

5. Apesar do tititi causado pela presença de colunáveis e artistas nacionais (como Marina Lima e Fernanda Takai) nos camarotes e no Emotion Club, quem merece aplausos é o pessoal que adquiriu o ingresso Hot Sound Vip. São os cerca de 250 fãs que pagaram... sente-se para não cair... 1500 DÓLARES para ver Paul McCartney. Eles chegaram antes das 13h no Beira-Rio para usufruir dos benefícios oferecidos por esse ingresso. Entre estes, um almoço sem carne (penne, bruschetta, berinjela) - que foi generosamente considerado por eles como tributo ao vegetarianismo de McCartney - bebida à vontade (incluindo-se vodka, champanhe e Johnnie Walker) e, sobretudo, a oportunidade de assistir o ídolo ensaiar antes do show, fazendo aquilo que se chama de passagem do som. Às 16h30, esses fãs ardorosos (e abonados) entraram num Beira-Rio completamente vazio e viram Paul tocar canções dos Beatles que não entraram no espetáculo (como I’m looking through you). O ensaio durou até às 18h, atrasando a abertura dos portões (prevista para às 17h30). Antes do grande público entrar no Beira-Rio, eles foram posicionados pela organização nas primeiras filas do gramado, bem em frente ao palco. A partir daí, terminaram os privilégios. Todos assistiram ao show de pé e não podiam sair dali para ir ao banheiro ou ao bar. Caso contrário, perderiam a possibilidade de serem os fãs que estavam mais próximos do ídolo.

6. Muito se elogiou a vitalidade física de Paul durante o show. De fato, ela, inegavelmente, existe e encantou a todos. Contudo, houve um detalhe na interpretação do rock pesado I've got a feeling que deu - a mim, pelo menos - o que pensar. Na gravação original da canção (incluída no CD Let it be), Paul grita dois ou três "yheahhhs" poderosamente agudos entre as estrofes. No show de Porto Alegre, eles desapareceram. Na época da gravação, o ex-beatle tinha 29 anos. Agora, tem 68. Pergunta: a supressão daqueles gritos foi opção artística ou ele resolveu não arriscar a voz ? A pergunta cabe na medida em que todas as outras 34 cançõe s foram, assim me pareceu, cantadas da mesma forma com que foram gravadas há três ou quatro décadas. A exceção foi I've got a feeling.

7. Finalmente, não podemos deixar de mencionar algo que talvez confirme o ressentimento latente de muitos gaúchos contra São Paulo. Embora o show de Paul McCartney em Porto Alegre abrisse a turnê sul-americana após mais de 10 anos de ausência, a revista Veja não deu uma linha sequer sobre a apresentação. É provável que o astro-pop se torne assunto da dita quando ele realizar seu megashow na capital paulista (21/11 e 22/11). Decididamente, o que acontece na província não interessa ao centro...

O Senado Federal (quem diria) está promovendo a cultura nacional


Lembram-se da gráfica do Senado Federal ? Aquela que, nos anos 90, era suspeita de desperdiçar o dinheiro público imprimindo o material de campanha dos nobres senadores, inclusive, supõe-se, do então (1994) candidato à Presidência da República, Fernando Henrique Cardoso ? Pois é: ela, como o Brasil, parece ter mudado, e muito. Não se sabe se a gráfica continua atendendo, prioritariamente, aos interesses eleitorais dos parlamentares. Agora, é incontestável que ela, hoje, vem prestando um serviço inestimável à memória nacional através das Edições do Senado Federal. Trata-se de mais de 130 títulos clássicos, cujo primeiro vislumbre na enorme barraca instalada pela instituição na atual Feira do Livro de Porto Alegre (entre pela Andradas e dobre no primeiro vão à direita) provoca um pensamento reconfortante: pelo menos, o Senado está servindo para alguma coisa...e de importância fundamental para quem quer conhecer a História do Brasil.
São obras de caráter histórico-memorialístico que estavam relegadas às bibliotecas de nossas universidades, já que as editoras particulares não têm interesse em reeditá-las. Contudo, elas constituem referência bibliográfica fundamental para quem quiser pesquisar sobre a trajetória brasileira do Descobrimento à República. Todo o candidato a historiador já se deparou, por exemplo, com os nomes de Capistrano de Abreu, Pandiá Calógeras e Francisco Varnhagen. Eles estão à venda na barraca por preços que vão de 20 reais (os dois primeiros) a 30 (Varnhagen). E há também Oliveira Viana, cujo O ocaso do Império sai por inacreditáveis 10 reais.
A historiografia marxista sempre reconheceu o valor documental, descritivo e factual do quarteto acima citado, mas sempre os considerou historiadores conservadores. Contudo, ninguém imputaria tal pecha às opiniões de Eduardo Prado. Seu livro A ilusão americana foi lançado no final do século XIX, vendeu muito e foi apreendido no mesmo dia pela polícia. Motivo: Prado já defendia, naquela época, a tese de que o Brasil deveria ser autônomo em relação aos estrangeiros. Ele dizia, por exemplo, que a fraternidade norte-americana era um blefe. Tampouco se chamaria de reacionário consumado a Joaquim Nabuco, um dos maiores intelectuais brasileiros do tempo do Império. O Senado editou quatro de suas obras, oferecidas a preços que vão de 10 a 15 reais: O Abolicionismo, Campanha Abolicionista no Recife, Balmaceda e A intervenção estrangeira na Revolução de 1893. E quais são os temas de Nabuco, além da questão da escravatura? Ora, Presidencialismo, Parlamentarismo e relações internacionais. Tudo atualíssimo, não é ? Ele chega até a insinuar a necessidade de uma reforma agrária em Campanha Abolicionista no Recife, escrito em 1885...
Há, porém, mais, muito mais. Todo jornalista ouviu falar em Hipólito José da Costa, fundador do primeiro jornal brasileiro (Correio Brasiliense) e nome do nosso Museu de Comunicação Social. Pois ele comparece com Diário de minha viagem à Filadélfia(1798-1799), onde relata suas impressões da nascente república norte-americana. Há Joaquim Manoel de Macedo, autor do terror escolar de nossa adolescência, A moreninha, mas que exercita bem seus dotes de cronista em Memórias da Rua do Ouvidor e Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro. E como não negar o acerto do Senado em relançar essas obras se O Velho Senado, incursão jornalística do nosso gigante das letras, Machado de Assis, pode ser adquirido por irrisórios cinco reais ? Até uma obra capital para se conhecer os primórdios de nosso estado, Viagem ao Rio Grande do Sul (Auguste Saint-Hilaire) está disponível lá. Por fim, o Senado Federal também reeditou a monumental História da Literatura Ocidental (foto), do austríaco radicado no Brasil, Otto Maria Carpeaux (1900-1978). É a maior obra do gênero já publicada no país. São mais de 2.000 páginas, divididas em quatro grossíssimos volumes, os quais são oferecidos a 200 reais. É o título mais caro da barraca, mas, garanto, vale cada centavo. Além de cobrir toda a aventura literária humana, fundamentando-a dentro de um quadro histórico-cultural bastante vívido, Carpeaux tem uma prosa luminosa, acessível a qualquer colegial razoavelmente bem informado.
Todo esse tesouro bibliográfico foi publicado pelo Senado, imaginem, durante as gestões dos peemedebistas Garibaldi Alves Filho e José Sarney (que faz a apresentação de alguns títulos, entre os quais O Velho Senado). Não se espantem, por favor. Como dizia o título de um filme quase tão antigo quanto essas obras, mas sem o mesmo valor cultural, do lodo também nasce uma flor. Pois vá correndo até a Feira do Livro, antes que ela feneça. Aliás, alguns desses livros já foram todos vendidos.Se não conseguir chegar lá até 15/11, vc tem possibilidade de adquirir esses clássicos pelo fone (61) 3303-3579 ou na livraria virtual (www16.senado.gov.br/livraria. O e-mail para contatos é livros@senado.gov.br . Aproveite !